quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008



me senti vidrada
não de êxtase,
mas empacotada.
guardada em lacre
no fundo da prateleira
do setor B.
(tive que gritar o mudo
até exceder o prazo de validade.)

domingo, 3 de fevereiro de 2008

Fumo e Flores

, sentiu-se úlcera. o corpo contraía a raiva que nenhuma anti-rábica dosaria, enquanto as paredes dos órgãos em resposta iam se corroendo. e pelos buracos ácidos não escorria dor. não. a dor já tinha ido às sucumbas do extremo em dormência. o corpo se liquefazia em ácido e a alma escorria, enfim, liberta.
Karen se sentou. O frio no estômago lhe provocava um terremoto de calor nas bochechas e outro, ainda maior, de desequilíbrio nos pés. Não sabia até que ponto podia ir sozinha, o guarda-roupa vazio e as gavetas reviradas denunciavam: ele levara tudo, menos o desespero. Acendeu um cigarro. "Fumo flores, amor", ele dizia. Esbugalhou suas pétalas e levou o aroma.
O quarto vazio, a teoria nórdica do acaso, " o que há de errado comigo?". A lágrima escorria, "não era a primeira vez", acompanhada. Ao menos suas lágrimas deviam ser acompanhadas, pensou. Outro cigarro, "acho que vou precisar de mais de um maço hoje". Karen era uma mulher independente, "mas ser independente leva a uma série de novas dependências".

Ela se inclinou, desabotoou as sandálias e deixou que os pés escorregassem de encontro ao chão. " Como é bom sentir o chão". Era tudo o que tinha, tudo no que podia confiar. O chão nunca a deixaria. Os pés calejados e antes adormecidos deixavam o frio do piso invadir seu desespero. Congelar seu desespero. " E a calma é o resultado de um calor congelado". "Preciso de terra". " Sentir terra nas ventas".

Como uma sinapse abrupta, ela se levantou, meio que a se recordar de que sabia caminhar, e correu, meio que a se recordar de que não queria esfriar, para o quintal. Tomou um punhado de terra com as mãos e levou às narinas. "Ah, o pó...". Soprou. "Do pó viestes, ao pó retornarás". A terra plana e cai por terra, um breve vôo para repousar onde partiu.
Deixou o corpo desabar, as pernas cederem e os braços se enlaçarem. Queria se ver por dentro. Tragou-se. Sentiu se invadir por fumo próprio e "pulsar". Tinha o coração que bombeava vazio, "apenas poeira". Cósmica, Karen se julgou dona de um astrolábio, "o pegador de estrelas".